Como
criar m delinquente
Comece na
infância a dar ao seu filho tudo que ele quiser. Assim, quando crescer, ele
acreditará que o mundo tem obrigação de lhe dar tudo o que o deseje.
1. Quando ele disser palavrões, ache graça. Isso o fará
considerar-se interessante.
2. Nunca lhe dê qualquer orientação espiritual. Espere até que
ele chegue aos 21 anos, e “decida por si mesmo”.
3. Apanhe tudo o que ele deixar jogado: livros, sapatos,
roupas. Faça tudo para ele, para que aprenda a jogar sobre os outros toda a responsabilidade.
4. Discuta com freqüência na presença dele. Assim não ficará
muito chocado quando o lar se desfizer mais tarde.
5. Dê-lhe todo o dinheiro que ele quiser. Nunca o deixa ganhar
seu próprio dinheiro. Por que ele terá que passar pelas mesmas dificuldades que
você passou?
6. Satisfaça todos os seus desejos de comida, bebida e
conforto. Negar pode acarretar frustrações prejudiciais.
7. Tome o partido dele contra vizinhos, professores, amigos. (
Afinal todos tem má vontade para com seu filhinho.)
8. Quando ele se meter em alguma encrenca séria, dê essa
desculpa: “Nunca consegui dominá-lo.”
9. Em ocasiões onde ele estiver reunido com amiguinhos ou com
seus irmãos use e abuse das comparações que incitem disputa. Compare seu
caráter, sua capacidade intelectual, e seus dotes estéticos; diga em alto e bom
tom para que todos possam ouvir, ele inclusive, coisas do tipo: “Meu filho é
mais inteligente que os outros, é mais bonito, é mais esperto, é um gênio.”
10. Se tiver algum vício, demonstre-o em sua presença todos os
dias. Assim ele vai achar tudo isto natural, e com certeza, mais tarde, vai
ouvir suas repreensões sobre os males que estas imperfeições podem trazer.
11. Feito tudo isso, prepare-se para uma vida de desgostos. É
sem dúvida seu mais que merecido destino!
A ÁGUA DO MUNDO
de Leo Jaime.
Vou correndo, como se isso me fizesse escapar dos pingos da
chuva que se inicia. Menos tempo na chuva, pode ser ilusório, mas tenho a
impressão de que ficarei menos molhado, de que chegarei menos ensopado. Com o
canto do olho observo o senhor que com a mangueira termina de limpar a calçada,
mesmo sabendo que a chuva há de modificar todo o cenário nos próximos instantes.
Ou vai trazer de volta toda a sujeira que ele está tirando ou vai lavar outra
vez o que ele acabou de lavar.
A água que cai do céu cai purinha, purinha, é o que penso
enquanto corro dela. A água que cai do céu. Lembro-me do livro da Camille
Paglia em que ela afirmava, ou pelo menos foi o que me recordo de ter dali
subtraído, que o homem havia optado por viver em grupo por temor aos fenômenos
naturais: chuvas, clima, terremotos etc. Foi preciso se unir contra as forças
da natureza. As forças amorais na natureza. Quando passa um furacão levando
tudo, bons ou os maus, estão todos ameaçados. Quando chove muito e tudo começa
a inundar, anjos e demônios poderão estar, em breve, igualmente submersos.
Quando a água falta, senhores e escravos morrem da mesma sede. Há forças mais
poderosas que a maldade humana.
Os destinos turísticos são, em sua maioria, lugares
interessantes por causa da água. Praias, lagos, rios, cachoeiras: somos
naturalmente atraídos pela água. A simples vista para o mar ou rio já torna um
ambiente mais interessante. Parece óbvio o que digo mas se levarmos em conta
que grande parte do planeta é tomado por água isso passa a ser, sim, digno de
nota: vivemos em meio a tanta água e ainda somos tão fascinados por ela! Nosso
organismo é também, em sua maior porção, água. Somos água, viemos da água, para
a água voltaremos e, enquanto tivermos como aproveitar a vida, queremos fazê-lo
perto de alguma fonte de água límpida, na beira de um rio ou mar. Navegando,
que seja. Queremos água.
Vivemos, porém, sob o alerta de que a água pode acabar. É
preciso economizar. Parece absurdo pois a água é absolutamente indestrutível!
Se você toca fogo ela vira fumaça e depois volta a ser água, se congela ela derrete e volta a
ser água, seja lá o que se faça com ela, a água volta a ser água depois de um
tempo, pura e cristalina. E na mesma quantidade! Pois é. Mas pode voltar
salgada. Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar? O prejuízo maior que
a água pode sofrer é a poluição. Uma vez poluída a água pode demorar muitos
anos para voltar ao seu estado natural, potável, como os pingos da chuva lá do
início.
Volto ao início e ao senhor que tentava varrer uma folha de
árvore, pequenina, da porta de seu prédio, segundos antes da chuva começar.
Quantos litros de água pura ele desperdiçava naquela tarefa imbecil? Não seria
mais fácil varrer a folhinha ou pegá-la com a mão? Aquela água correria para o
bueiro e se juntaria ao esgoto cheio de substâncias químicas e de lá iria parar
sabe-se lá onde, mas, poluída, demoraria um tempo enorme para voltar para o
reservatório d'água da cidade. Este tempo é que pode ser o suficiente para uma
cidade entrar em caos por não ter o que beber. A água não vai
"acabar" nunca, mas talvez, um dia,
não possamos usufruir dela onde e como gostaríamos. Talvez as grandes
desgraças naturais não nos metam tanto medo porque o que nos vai derrotar mesmo
sejam as folhinhas nas calçadas. Aguadas de estupidez.
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